Saberes docentes da formação profissional
Os estudiosos (GAUTHIER, 1997; GARCIA, 1992; IMBERNÓN, 2004; LIBÂNEO, 2005; NÓVOA, 1992; TARDIF, 2000; TARDIF, LESSARD & GAUTHIER, 1998) que investigam sobre a questão da formação profissional do professor indicam com veemência que o saber dos professores é um outro elemento que deve ser considerado, além dos eixos e relações norteadoras da formação, para que se alcance o desenvolvimento profissional docente. Segundo esses teóricos, o saber docente, provém das condições concretas nas quais o trabalho se realiza, bem como provém da personalidade e da experiência profissional dos próprios professores.
Nessa perspectiva, o saber dos professores é entendido como alvo de combinações constantes entre o que eles são (cognição, emoção, expectativas, história pessoal, entre outras) e o que fazem. O ser e o agir devem ser vistos como dois pólos integrados, como resultados dinâmicos das próprias transações inseridas no processo de trabalho escolar.
Os saberes de um professor são provenientes de representações sociais internalizadas por meio de ações que lhes são externas como a formação acadêmica, e o contato com programas institucionais, práticas coletivas, disciplinas escolares, entre outras, assim como são provenientes de elementos internos, individuais como a personalidade, a auto-estima, a cognição sendo um componente de um amplo processo social de escolarização (GAUTHIER, 2000).
Os estudiosos da formação profissional situam o saber do professor na interface entre a dimensão individual e a dimensão social, entre o ator e o sistema, a fim de captar a sua natureza social e individual como um todo. Para tanto, tais estudiosos consideram alguns aspectos, entendidos como “fios condutores” dos saberes docentes, quais sejam: saberes e trabalho, diversidade do saber, temporalidade e trabalho interativo. No que diz respeito aos saberes compositores da formação profissional os estudiosos destacam: saberes da formação profissional, saberes disciplinares, saberes curriculares e saberes experienciais (TARDIF, 2002, p.16).
Os estudiosos e pesquisadores da formação profissional de professores (GAUTHIER, 1997; IMBERNÓN, 2004; NÓVOA, 1992; SCHÖN, 1994; SCHÜTZ, 1987; TARDIF, 2000; THERRIEN, 1998, entre outros) esclarecem que pensar na formação profissional requer pensar nos saberes próprios da profissão. Sobre isso, realçam duas considerações importantes, primeiro os princípios que fundamentam os saberes, quais sejam: saber e trabalho, diversidade do saber, temporalidade do saber e a interatividade e saber. E a seguir, apresentam os saberes docentes: saberes da formação formação profissional, saberes disciplinares, saberes curriculares, e saberes experienciais. Para aqueles estudiosos, desconsiderar um dos fios condutores ou um dos saberes dos docentes restringi o alcance da formação profissional do professor, logo somente por meio da consideração desses fios e saberes é que tal meta se torna possível.
Nesse item do estudo, primeiramente refletiremos sobre os fios influenciadores dos saberes para, a seguir, refletir sobre as modalidades dos saberes docentes, de acordo com as contribuições dos aportes teóricos consultados.
Um primeiro fio realça que o saber dos professores deve ser compreendido em íntima relação com o seu trabalho na escola e na sala de aula. Em outras palavras, embora os professores utilizem diferentes saberes, essa utilização se dá em função do seu trabalho, das situações e dos recursos ligados a esse trabalho. Isso significa que as relações dos professores com os saberes nunca são relações estritamente cognitivas, mas que são relações mediadas pelo trabalho que lhes fornece princípios para enfrentar e solucionar situações cotidianas.
A relação saber e trabalho indica que o saber do professor traz em si mesmo as marcas de seu trabalho, que ele não é somente utilizado como um meio no trabalho, mas é produzido e modelado no e pelo trabalho. Trata-se, portanto, de um trabalho multidimensional que associa elementos relativos à identidade pessoal e profissional do professor ao seu trabalho diário na sala de aula e na escola.
Um segundo fio que os teóricos consideram no âmbito da formação profissional é a idéia de diversidade ou de pluralismo do saber. Quando questionados sobre o seu saber os professores se reportam a teorias e práticas, falam dos saberes curriculares, dos programas e dos livros didáticos, apóiam-se em conhecimentos disciplinares relativos às matérias ensinadas, fiam-se em sua própria experiência e apontam certos elementos de sua formação inicial ou continuada. Em suma, o saber dos professores é plural, compósito, heterogêneo, porque envolve, no próprio exercício do trabalho, conhecimentos e um saber-fazer bastante diversos, provenientes de fontes variadas e de diversas natureza (TARDIF, 2002).
O saber dos professores contém teorias e práticas cuja origem social é patente. Por exemplo, alguns saberes provêm da influencia da família do professor, da escola que o formou, das universidades ou das escolas normais, outros estão ligados à instituição de trabalho escolar (programas, regras, princípios pedagógicos, objetivos, finalidades), outros, provêm dos cursos de capacitação e congressos, entre outros. Nesse sentido, o saber profissional está na confluência de vários saberes oriundos da família, da sociedade, da instituição escolar, das universidades e de outros atores educacionais.
Por isso, ao se falar em formação profissional, é necessário compreender que, quanto aos saberes dos professores, deve-se levar em consideração o que eles nos dizem a respeito de suas relações sociais com os grupos, instâncias e organizações com as quais eles convivem e trabalham.
O saber dos professores também baseia-se no princípio da temporalidade, uma vez que é adquirido no contexto de uma história de vida e de uma carreira profissional. Dizer que o saber dos professores é temporal significa dizer que é histórico e que ensinar supõe aprender a dominar progressivamente os saberes necessários à realização do trabalho docente.
Para Tardif (2002, p. 20), antes mesmo de começar a ensinar oficialmente, o professor já sabe, de muitas maneiras, o que é o ensino por causa de toda a sua história escolar anterior. Além disso, as pesquisas desse estudioso mostram que esse saber herdado da experiência escolar anterior é muito forte, que ele persiste através do tempo e que a formação universitária não consegue facilmente transfomá-lo.
Outro dos fios é a idéia de trabalho interativo. O exercício da profissão do professor só ocorre fundamentalmente através da interação humana.
O “fio condutor” trabalho interativo compreende, segundo os teóricos, as características da interação humana que marcam o saber dos atores que atuam juntos, como os professores e seus alunos e a relação professores e gestores. A preocupação com esse saber está ligada a relação de poderes, regras, valores, ética e as tecnologias mobilizados pelos atores sociais na interação concreta (TARDIF, 2002).
Repensar a formação para o magistério significa encontrar nos cursos de formação de professores uma nova articulação entre os conhecimentos produzidos pelas universidades e suas implicações para os saberes desenvolvidos pelos professores no contexto de suas práticas cotidianas (IMBERNÓN, 2004). Até agora, a formação para o magistério esteve dominada sobretudo pelos conhecimentos disciplinares, produzidos sem significativa conexão com a ação profissional, devendo, em seguida, serem aplicados na prática por meio de estágios supervisionados. Essa visão disciplinar e “aplicacionista da formação para o magistério não possibilita a formação profissional do professor, como também inviabiliza a formação de outros setores profissionais” (TARDIF, 2002, p. 23).
Nesse sentido, propomos a apreciação dos saberes que conduzem à formação profissional por meio da tabela que segue.
Tabela 1 – Saberes da Formação Profissional apontados pelos estudiosos e pesquisadores Progressistas da Formação Docente.
Saberes dos Professores | Conceitos | Fontes Sociais de Aquisição | Espaços Sociais de Aquisição | Modos de Integração no Trabalho Docente |
Saber da Formação Profissional | Conjunto de saberes científicos (fundamentos gerais) e pedagógicos (prática educativa, metodologias dos ensinos, as teorias das tendências pedagógicas) transmitidos nos cursos das instituições promotoras da formação de professores como por exemplo escolas normais, universidades ou faculdades das ciências da educação. | Provenientes da formação inicial para o magistério. | Em Estabelecimentos de formação de professores, os estágios, os cursos de atualização, entre outros. | Pela formação e pela socialização profissional nas instituições de formação de professores. |
Saber Disciplinar | Os saberes disciplinares (por exemplo, matemática, história, literatura, entre outros) são transmitidos nos cursos dos departamentos universitários de acordo com as faculdades de educação e no caso da educação básica são propagados essencialmente por meio dos livros didáticos. | Provenientes da formação escolar anterior. | Na Escolaridade infantil, fundamental e média. Em outras palavras nos estudos primários, secundários e pós-secundários, mas não especializados. | Pela formação e pela socialização pré-profissional. |
Saber Curricular | Estes saberes correspondem aos discursos, objetivos, conteúdos e métodos a partir dos quais a instituição escolar categoriza e apresenta os saberes sociais por ela definidos e selecionados. Apresentam-se concretamente sob a forma de programas escolares (objetivos, conteúdos, métodos) que os professores constroem e aplicam. | Provenientes dos programas e livros didáticos usados no trabalho. | Na utilização das “ferramentas” dos professores: programas, livros didáticos, caderno de exercício, fichas, entre outros. | Pela utilização das “ferramentas” de trabalho, sua adaptação às tarefas. |
Saber Experiencial | Tais saberes são baseados no trabalho cotidiano e no conhecimento do meio sócio-cultural. Esses saberes práticos brotam da experiência e são por ela validados. Significa o reconhecimento do professor enquanto sujeito produtor de saberes socialmente legítimos, oriundos de sua prática. | a) Provenientes da própria experiência na profissão, na sala de aula e na escola; b) Provenientes da história de vida pessoal dos professores. | a) A prática do ofício ns escola e na sala de aula, a experiência dos pares; b) A família, o ambiente de vida, a educação no sentido lato. | a) Pela prática do trabalho e pela socialização profissional; Pela história de vida e pela socialização primária. |
Fonte: TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002.
REFERÊNCIAS
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